Reencontrei minha irmã 30 anos após vulcão enterrar minha cidade e separar minha família

  • 14/11/2025
Desde que se conheceram, as irmãs Jenifer de la Rosa e Ángela Rendón constroem aos poucos uma vida que nunca imaginaram ter juntas. José Carlos Cueto/ BBC News Mundo Com apenas uma semana de vida, Jenifer de la Rosa recebeu o apelido de "filha do vulcão" porque sobreviveu à avalanche que sepultou sua cidade. Em 13 de novembro de 1985, e o vulcão Nevado del Ruiz, em erupção, lançou um torrente de lama, água e pedras que arrasou tudo pelo caminho, incluindo a cidade de Armero, onde de la Rosa vivia com os pais. Cerca de 20 mil pessoas, de um total de 29 mil habitantes, morreram na cidade colombiana durante a tragédia. Outras cerca de 5.000 pessoas morreram em municípios vizinhos. ✅ Siga o canal de notícias internacionais do g1 no WhatsApp Armero é hoje um memorial a céu aberto no departamento de Tolima, no centro da Colômbia. Turistas e vítimas visitam o local todos os anos e percorrem ruínas, parques, o cemitério e vários monumentos. Veja os vídeos que estão em alta no g1 Alguns sobreviventes continuam vivendo em cidades próximas. Outros, entre eles centenas de crianças, tiveram destinos muito diferentes. "Fui adotada por um casal espanhol e não voltei à Colômbia por 30 anos. Então, descobri que tinha uma irmã, sobre a qual nunca soube de nada; nem eu, nem meus pais adotivos", conta De la Rosa, hoje jornalista, em entrevista à BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC). Cerca de 500 crianças foram colocadas para adoção por "processos regulares e irregulares" após a tragédia, segundo a Fundação Armando Armero, dedicada a reconstruir a memória do município e a reconectar os adotados às famílias de origem. Alguns desses sobreviventes vivem na Colômbia; outros, no exterior — como De la Rosa, que mora na Espanha. A fundação acredita que parte dos chamados "meninos de Armero", hoje adultos, nem sabe que é originária da cidade. Para o Instituto Colombiano de Bem-Estar Familiar, devido às lacunas jurídicas vigentes na época, era preciso investigar cada um dos processos irregulares denunciados por sobreviventes como De la Rosa. Bebê entre escombros Na tragédia, muitos culparam as autoridades por não agir quando a atividade vulcânica se acelerou meses antes. Cris Bouroncle/ AFP via Getty Images Cinzas caíam sobre Armero desde as primeiras horas da tarde daquele dia 13. Era o prenúncio do que ocorreria por volta das 21h (horário local). Os fluxos do vulcão, a mais de 5.000m acima do nível do mar, derreteram cerca de 10% do gelo e da neve que havia nas encostas. O derretimento levou a deslizamentos e inundou tudo abaixo. No caminho, a água se misturou ao solo e a sedimentos das encostas, que se transformaram em uma espécie de cimento úmido que deslizou sem controle. Esses fluxos, conhecidos como lahars (uma mistura de água, gelo, pedra-pomes e outros detritos de rocha), cheios de pedras de vários tamanhos, destruíram Armero e feriram seus habitantes. Dezenas de milhares morreram sob escombros ou asfixiados na lama. Dorian Tapazco Téllez foi uma das poucas sobreviventes. Com a filha de uma semana nos braços, chegou a um abrigo onde havia outros sobreviventes. "Eu era o bebê mais novo ali. Uma socorrista da Cruz Vermelha me contou que minha mãe retornou aos escombros da casa e nunca mais voltou. Da minha mãe, nunca soube de mais nada, só que mudou de nome", diz De la Rosa. O pai dela morreu na tragédia, ou ao menos é o que disseram aos pais adotivos. Eles nunca souberam que a bebê que acolheram tinha uma irmã mais velha, também havia sido colocada para adoção algum tempo antes, em outro lugar. Uma vida cheia de perguntas Globo Repórter: Vulcão Armero (1985) De la Rosa diz que desde cedo quis saber de onde vinha. "Ao me olhar no espelho e ver quão diferente sou dos meus pais, da família, das primas e dos amigos, sempre quis saber minhas origens", conta. Os pais adotivos a buscaram em um orfanato em Manizales, a 174 km de Armero e muito perto do Nevado del Ruiz, quando ela tinha pouco mais de 1 ano, e a levaram para viver em Valladolid, a 200 km ao norte de Madri, capital da Espanha. "Meus pais me contaram desde pequena que eu era da Colômbia e que minha vida tinha relação com o vulcão Nevado del Ruiz", afirma. Na Valladolid do fim dos anos 1990 e início dos 2000, ainda não havia chegado a onda migratória latino-americana que se fixaria com força na Espanha nos anos seguintes. "Eu era muito visada. A pergunta de onde eu sou era frequente e continuam me fazendo até hoje", conta. De la Rosa diz que, na adolescência, decidiu não falar mais da Colômbia. O tema a irritava. Bloqueou o passado por anos e depois se mudou para outros países. Um deles foi o Brasil, onde se reconectou com a natureza de seu continente, com outra realidade — e onde, curiosamente, sua melhor amiga era colombiana. Ela voltou à Espanha e, pouco depois, aos 30 anos, estabeleceu como meta retornar à Colômbia em seu aniversário. Foi então que pensou em buscar respostas e fazer um documentário sobre a própria vida. Uma obsessão: Dorian Tapazco Téllez Os pais adotivos de Jenifer de la Rosa contaram desde o início de onde ela vinha e como havia chegado à família. Jenifer de la Rosa via BBC Em 2016, De la Rosa deu os primeiros passos no que chama de obsessão por encontrar a mãe biológica. Contatou a Fundação Armando Armero, fez pesquisas, viu vídeos de pessoas adotadas, gravou ligações, viajou pela primeira vez à Colômbia. "Lá, soube da realidade de tantos depoimentos; filhos, filhas, pais que buscavam alguém que pudesse perfeitamente ser eu." As peças do quebra-cabeça começaram a se encaixar. "Encontrei uma mulher cuja casa frequentei quando pequena e onde aprendi a andar. E a socorrista da Cruz Vermelha que cuidou de mim quando bebê no abrigo e que me falou da minha mãe e de como eu me parecia com ela", conta. "Era algo muito forte para uma pessoa adotada. Embora eu não tenha conseguido encontrar minha mãe, entendi seu contexto, sua vida e a Colômbia de 1985, com todos os problemas que resumem o quanto é difícil encontrar minha mãe biológica", continua. A vida de De la Rosa é marcada por duas datas que até hoje atormentam o país. Ela nasceu em 6 de novembro de 1985, o mesmo dia em que guerrilheiros do M-19 atacaram o Palácio da Justiça, em Bogotá (capital colombiana), e militares responderam com uma operação que deixou cerca de 100 mortos. "Era a Colômbia das Farc, do M-19 e do narcotráfico. Quando o vulcão entra em erupção no dia 13 e arrasa uma cidade inteira, o país colapsa. Era o pior momento para nascer", analisa. De la Rosa atribui àquele período convulso e caótico parte do que aconteceu com adoções como a dela. Uma nota em um jornal Em suas viagens à Colômbia, Jenifer de la Rosa bateu em inúmeras portas em busca de pistas sobre a mãe. Hija del Vulcán/ BBC Ela digitou muitas vezes no Google o nome da mãe sem encontrar resultados, até que um dia chegou a uma nota publicada em um jornal. Uma mulher adotada, Ángela Rendón, então com 32 anos e da cidade de Barrancabermeja, também buscava informações sobre a mãe, que a deixou com uma cuidadora quando ela tinha 3 meses de vida e nunca mais voltou. O nome da mãe era Dorian Tapazco Téllez. "A primeira coisa que fiz foi me proteger e pensar que poderia ter havido uma troca de nomes, mas que eu não poderia ter uma irmã", relata De la Rosa. Depois da conexão estabelecida, a Fundação Armando Armero entrou em ação. Francisco González, diretor da entidade, procurou Rendón para explicar o caso, coletar uma amostra de DNA e compará-la com a de De la Rosa. Semanas depois, o teste deu positivo. De la Rosa e Rendón descobriram que tinham uma irmã três décadas depois. "Ai, é verdade, Francisco? Ai, que felicidade", diz Rendón entre lágrimas ao receber a notícia de González e de De la Rosa, em um momento registrado no documentário. As irmãs se conheceram na casa de González. Quando se viram, deram-se timidamente a mão e trocaram um "oi, tudo bem?". "Na primeira vez em que a vi, o abraço foi sentido, pensei que era uma estranha, alguém de fora. Minha primeira reação foi fria, mas ela transbordou de amor", descreve De la Rosa. Ela, em choque, teve dificuldade para demonstrar emoções, mas Rendón a abraçou e pediu que recuperassem o tempo perdido e agissem dali em diante como irmãs. "Quando recebi a notícia, meu aniversário estava perto e pensei que era o melhor presente possível. Ao conhecê-la, achei que era um sonho", diz Rendón à BBC News Mundo. "No início não vi semelhanças, mas depois conheci Paola, minha sobrinha, e fiquei impressionada com o quanto ela se parecia comigo na adolescência", conta De la Rosa. O reencontro ganhou repercussão na Colômbia. As irmãs deram uma entrevista coletiva ao lado da fundação que reuniu dezenas de jornalistas. "Essa relação familiar foi crescendo e, ao mesmo tempo, se mostrou tão complexa. Ainda me custa encarar que tenho uma irmã. Para ela, no entanto, custou pouco. Queria compartilhar, encontrar a família", revela De la Rosa. Frustrações "Hija del volcán" (Filha do vulcão, em tradução livre) é uma viagem ao passado e um choque com o silêncio das autoridades na Colômbia. Hija del Vulcán/ Jenifer de la Rosa via BBC Sobre a mãe, as irmãs encontraram poucas respostas. Souberam que ela passou pela prisão e mudou de nome, algo difícil de entender para De la Rosa: "As pessoas me dizem que é possível que minha mãe tenha sido uma pessoa deslocada pelo conflito armado e que, por isso, tenha conseguido a mudança de nome." Nesse percurso, De la Rosa se deparou com várias frustrações. Um silêncio envolve as condições em que muitas crianças foram adotadas — como no caso dela — e informações sobre a existência da outra irmã foram "deliberadamente" ocultadas nos prontuários, segundo a jornalista. "Nos dizem que, na época, os funcionários acharam que o melhor era facilitar a papelada e assim tornar mais simples que encontrássemos lares, mas também havia interesses", afirma. Ela conheceu o caso de uma pessoa adotada cujo pai pagou US$ 5.000 (cerca de R$ 27 mil em valores convertidos pelo câmbio atual, mas não corrigidos pela inflação). "Havia um descontrole tão grande que, na minha casa de acolhida, pensaram por muito tempo que eu tinha ido parar na Itália e não na Espanha", conta. De la Rosa sente que algumas pessoas que conheceu sabem mais do que dizem. "Entendo que são pessoas desconfiadas pelo trauma da guerra, mas tenho suspeitas. Com Ángela acontece o mesmo. Em relação ao Instituto Colombiano de Bem-Estar Familiar, sinto que há muito verniz e falta transparência." A Fundação Armando Armero e outras vítimas pediram repetidamente mais informações ao Instituto Colombiano de Bem-Estar Familiar sobre os protocolos usados para colocar crianças em adoção após a tragédia de Armero. Para o 40º aniversário, o Instituto Colombiano de Bem-Estar Familiar anunciou a digitalização e recuperação do chamado "Livro Vermelho" da tragédia, que reúne parte dos registros de menores de idade resgatados e colocados sob proteção do instituto após a avalanche. A iniciativa faz parte da estratégia com que o órgão, hoje dirigido por Astrid Cáceres, pretende contribuir para a recuperação da memória das vítimas. Sobre possíveis irregularidades em adoções, Cáceres afirmou à BBC News Mundo que, na época, havia "lacunas" na legislação que dificultam classificar casos como irregulares ou não. "Para isso, precisamos investigar todos antes de tirar conclusões", disse. Segundo Francisco González, diretor da Fundação Armando Armero, mais de 400 famílias e 75 adotados registrados passaram por exames de DNA graças à atuação da fundação. Até agora, quatro reencontros foram possíveis por meio da comparação genética. Todos os anos, dezenas de sobreviventes continuam chegando a Armero para perguntar, para esperar que seus filhos ou filhas apareçam algum dia. "Não são pessoas que buscam ter um corpo de seus filhos de volta, mas que viram os seus filhos nas capas de revistas ou em listas de pessoas resgatados. O país tem uma dívida histórica com elas", conclui De la Rosa.

FONTE: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2025/11/14/reencontrei-minha-irma-30-anos-apos-vulcao-enterrar-minha-cidade-e-separar-minha-familia.ghtml


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